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Desigualdade salarial persiste e mulheres ganham até 16% menos no DF

A diferença de salários entre homens e mulheres que exercem funções de igual valor ainda persiste no mercado de trabalho brasileiro. No Distrito Federal, os levantamentos mais recentes do Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF) mostram que, mesmo com avanços na formalização e na participação feminina no mercado, a equiparação salarial segue distante.

Os dados de rendimento médio mensal expõem o peso da desigualdade. Em 2023, homens recebiam em média R$ 5.588, enquanto as mulheres tinham R$ 4.543 — uma diferença de quase R$ 1.050. A disparidade se manteve em 2024: enquanto eles receberam R$ 5.525, elas ficaram com R$ 4.660, o que significa que as brasilienses ganham, em média, cerca de 16% a menos que os homens.

O contraste aparece em quase todas as formas de ocupação. Entre trabalhadores com carteira assinada, por exemplo, o rendimento médio masculino em 2024 foi de R$ 3.268, contra R$ 2.740 para as mulheres. No setor público, a diferença é expressiva: homens receberam R$ 11.971 em média, enquanto mulheres ficaram em R$ 9.717. Mesmo em trabalhos autônomos, os rendimentos foram superiores para eles (R$ 3.486) do que para elas (R$ 2.743). 

Essa disparidade se torna ainda mais acentuada quando levamos em conta que o DF está na 8ª posição no ranking de implementação de políticas de incentivo à contratação de mulheres. A informação é do “Painel do Relatório de Transparência Salarial”, produzido pelo Ministério do Trabalho e Previdência.

Rotina no mercado

Para além de estatísticas, essa desigualdade se mostra na prática. A advogada Ana Lydia Seabra, especialista em direito administrativo e integrante da coordenação do Comitê de Diversidade, Inclusão e Compromisso Social de um escritório de advocacia, relata que enfrentou situações de desvalorização no exercício da profissão apenas por ser mulher. 

“Me deparei com olhares que subestimavam a minha fala, com interrupções em audiências, que não aconteciam quando um homem conduzia, e até com a sensação de que minha presença era vista como ‘menos técnica’. É duro, porque não se trata de preparo ou conhecimento, mas de uma barreira estrutural. É como se fosse necessário provar o tempo todo”, afirma.

Em alguns casos, o tratamento desigual não fica só na esfera velada e passa a ser incisivo. Mariana Leite* (nome fictício), construiu uma carreira em grandes empresas de tecnologia e do varejo, onde chegou a gerenciar equipes numerosas. Apesar de ter feito sucesso no âmbito profissional, relata ter enfrentado situações de assédio sexual e moral em cargos de liderança, além de pressão para deixar funções após denunciar episódios de violência.

Ela chamou atenção para a disparidade salarial no setor. “Em tecnologia, isso piorou muito mais. Setenta por cento das pessoas demitidas nos layoffs eram mulheres, que, para retornar ao mercado de trabalho, precisaram aceitar salários muito abaixo do que recebiam antes”, afirma.

Desafio histórico

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a desigualdade salarial é reflexo de fatores históricos e estruturais, como a divisão sexual do trabalho, a sobrecarga das mulheres em funções de cuidado e a baixa presença feminina em áreas de maior valorização econômica, como indústria e construção. Globalmente, a diferença média de rendimentos entre homens e mulheres é de cerca de 20%. No DF, os números mostram que essa distância permanece próxima, mesmo diante de avanços recentes.

O desafio, segundo especialistas, é garantir políticas públicas que incentivem a equidade a valorização da presença feminina. O advogado trabalhista Alessandro Vietri, especialista em direito do trabalho, avalia que a desigualdade salarial persistente não pode ser explicada apenas por fatores econômicos, mas também por questões estruturais da sociedade. 

“Há uma horizontalização, em que mais mulheres ocupam cargos de base, e uma verticalização, em que poucas chegam a postos de liderança. A maternidade e a sobrecarga de responsabilidades domésticas também pesam na trajetória profissional, limitando oportunidades”, explica.

Mesmo com legislações que asseguram a igualdade de gênero, como a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Vietri lembra que os avanços têm sido lentos, muito influenciados por uma visão de que a mulher deve assumir a maior responsabilidade pela família. “A dinâmica familiar muitas vezes leva a interrupções de carreira, o que impacta a progressão salarial ao longo do tempo. Mesmo no serviço público, onde as regras são mais claras, a ascensão ainda é mais lenta para mulheres”, avalia.

Para reverter esse cenário, o especialista defende medidas práticas que unam políticas públicas e ações internas nas empresas. Entre elas, ele destaca a necessidade de relatórios transparentes sobre remuneração, auditorias internas para detectar distorções, programas de diversidade e inclusão e políticas que conciliem vida profissional e familiar. “É preciso criar condições para que as mulheres possam competir em pé de igualdade, com acesso a cargos de liderança, formação qualificada e ambientes que respeitem a diversidade. Só assim conseguiremos acelerar a redução da disparidade salarial”, conclui.

O cientista político e sociólogo Rócio Barreto chama atenção para o peso da desigualdade estrutural enfrentada pelas mulheres chefes de família no DF. “A divisão sexual do trabalho sempre destinou às mulheres a responsabilidade pelos filhos, idosos, casa e alimentação, o que reduz drasticamente o tempo para o trabalho formal. Elas não partem do mesmo ponto que os homens na disputa por uma carreira”, explica. Segundo ele, a sobrecarga doméstica e a ausência masculina — financeira e afetiva — ajudam a entender por que tantas famílias monoparentais femininas acabam em situação de vulnerabilidade, reforçando o fenômeno da feminização da pobreza.

Diante desse cenário, Barreto defende políticas públicas que vão além do assistencialismo e atuem sobre as raízes da desigualdade. “A educação é o ponto de partida. É fundamental oferecer capacitação em áreas de maior valorização, como tecnologia, engenharia e gestão, com bolsas, auxílio-creche e transporte para permitir que mulheres chefes de família permaneçam no ensino técnico ou universitário”, afirma. Ele acrescenta que metas de empregabilidade, incentivos para empresas, transparência salarial e linhas de crédito para mulheres empreendedoras também são medidas essenciais. “Políticas de cuidado e corresponsabilidade, como a expansão de creches públicas e a ampliação da licença-paternidade, são igualmente necessárias para reduzir a sobrecarga e ampliar a autonomia feminina”, conclui.

Fortalecimento

Frente a esse cenário, a Secretaria da Mulher do Distrito Federal (SMDF) tem ampliado sua atuação para além do acolhimento e da proteção, com foco no fortalecimento da autonomia econômica e profissional das mulheres. Em quatro anos, os recursos destinados às políticas da pasta cresceram 743%, o que possibilitou a expansão de programas de capacitação, inserção no mercado de trabalho e estímulo ao empreendedorismo feminino. Só em 2024, cerca de 6 mil mulheres foram certificadas em cursos que vão de auxiliar administrativo a eletricista, passando por áreas da beleza, gastronomia e saúde.

As parcerias institucionais são um dos pilares dessa estratégia. Em colaboração com IFB, Sebrae, Fecomércio, Neoenergia e outros, a Secretaria oferece não apenas qualificação técnica, mas também acesso a crédito, orientação para pequenos negócios e suporte para ingresso no mercado de trabalho. Um dos destaques é o programa Movimente DF, lançado em 2024, que integra governo, setor privado e sociedade civil para ampliar o acesso das mulheres a serviços públicos voltados ao empreendedorismo, além de fomentar a produção de dados sobre o universo feminino nos negócios.

Outro avanço está nos Acordos de Cooperação Técnica firmados com órgãos federais, do Judiciário e do Legislativo, que garantem a contratação de mulheres em situação de violência doméstica. Atualmente, 250 já foram inseridas em locais como STJ, Senado e Câmara Legislativa. A política também abrange mulheres trans, quilombolas, indígenas e refugiadas, refletindo o esforço da pasta em promover inclusão de forma mais ampla.

A coordenadora-líder da Câmara de Mulheres Empreendedoras da Fecomércio-DF, Bernardeth Martins, destaca que a luta por igualdade salarial está longe de ser novidade, que o princípio consta na própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, ela ressalta que, na prática, mulheres ainda enfrentam barreiras tanto para ocupar todos os cargos disponíveis quanto para receber salários equivalentes.

A coordenadora também chama atenção para a necessidade de ampliar a participação feminina em cargos estratégicos, capazes de garantir acesso a posições de liderança e remuneração mais alta. Ela lembra que medidas de apoio às mães, como o auxílio-creche, são fundamentais para equilibrar as condições de disputa no mercado. “Isso impacta a capacidade de mulheres competirem em igualdade de condições, limitando suas jornadas e o avanço na carreira”, explica.

*Nomes fictícios 

Artigo

Impacto social

Por Cristina Alves Tubino, mestre em direito pelo IDP e assessora no STJ

Dados divulgados pelo governo federal em abril de 2025 (referentes ao ano de 2024) indicam que, no Brasil, mulheres recebem 20,9% a menos que os homens ainda que exerçam as mesmas funções. As informações divulgadas têm como base o Rais (Relatório Anual de Informações Sociais) e confirma dados obtidos em todo mundo.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial serão necessários 131 anos para que seja alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres, desde que os países mantenham a atual velocidade de progresso econômico, de saúde, educação e participação política.

Ainda que a presença de mulheres no mercado de trabalho tenha aumentado e a desigualdade salarial tenha diminuído na última década, ela permanece e continua causando grande impacto social, não apenas porque fomenta a discriminação e a segregação ocupacional, mas porque muitas daquelas mulheres são responsáveis pelo sustento das suas famílias.

Em que pese a entrada em vigor da Lei 14.611/23, que trata da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens no ambiente de trabalho, para alterar a disparidade é necessário que haja mudanças estruturais na sociedade, que perpassam pela conscientização da igualdade de gênero e pela mudança de mentalidade das empresas, as quais precisam compreender que a adoção de medidas de políticas, naquele sentido, significa melhoria para todos. O Banco Mundial afirma que se mulheres tivessem as mesmas oportunidades que os homens, no mercado de trabalho, o PIB global poderia crescer mais de 20%.

Em 1949, Simone de Beauvoir afirmava que o trabalho é o caminho para a autonomia feminina. É uma realidade indiscutível. Todavia, é preciso que as barreiras invisíveis e visíveis sejam superadas e que as mulheres recebam remunerações justas e compatíveis com sua aptidão e qualificação. Sem que seu gênero tenha primazia.

Impacto social

Dados divulgados pelo governo federal em abril de 2025 (referentes ao ano de 2024) indicam que, no Brasil, mulheres recebem 20,9% a menos que os homens ainda que exerçam as mesmas funções. As informações divulgadas têm como base o Rais (Relatório Anual de Informações Sociais) e confirma dados obtidos em todo mundo.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial serão necessários 131 anos para que seja alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres, desde que os países mantenham a atual velocidade de progresso econômico, de saúde, educação e participação política.

Ainda que a presença de mulheres no mercado de trabalho tenha aumentado e a desigualdade salarial tenha diminuído na última década, ela permanece e continua causando grande impacto social, não apenas porque fomenta a discriminação e a segregação ocupacional, mas porque muitas daquelas mulheres são responsáveis pelo sustento das suas famílias. 

Em que pese a entrada em vigor da Lei 14.611/23, que trata da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens no ambiente de trabalho, para alterar a disparidade é necessário que haja mudanças estruturais na sociedade, que perpassam pela conscientização da igualdade de gênero e pela mudança de mentalidade das empresas, as quais precisam compreender que a adoção de medidas de políticas, naquele sentido, significa melhoria para todos. O Banco Mundial afirma que se mulheres tivessem as mesmas oportunidades que os homens, no mercado de trabalho, o PIB global poderia crescer mais de 20%.

Em 1949, Simone de Beauvoir afirmava que o trabalho é o caminho para a autonomia feminina. É uma realidade indiscutível. Todavia, é preciso que as barreiras invisíveis e visíveis sejam superadas e que as mulheres recebam remunerações justas e compatíveis com sua aptidão e qualificação. Sem que seu gênero tenha primazia.

Cristina Alves Tubino, mestre em direito pelo IDP e assessora no STJ

Numeralha

  • Em 2023, homens recebiam em média R$ 5.588, enquanto as mulheres tinham R$ 4.543 — uma diferença de quase R$ 1.050
  • A disparidade se manteve em 2024: enquanto eles receberam R$ 5.525, elas ficaram com R$ 4.660, o que significa que as brasilienses ganham, em média, cerca de 16% a menos que os homens
  • Entre trabalhadores com carteira assinada, por exemplo, o rendimento médio masculino em 2024 foi de R$ 3.268, contra R$ 2.740 para as mulheres
  • No setor público: homens receberam R$ 11.971 em média, enquanto mulheres ficaram em R$ 9.717. Mesmo em trabalhos autônomos, os rendimentos foram superiores para eles (R$ 3.486) do que para elas (R$ 2.743)

Por Por Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Valdo Virgo

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